quarta-feira, 10 de junho de 2015

As folhas brancas sobre a mesa.


As folhas em branco sobre a mesa eu as uso agora para anotações pessoais, para fragmentos de livros, para as anotações depois de cada sessão.
As folhas brancas sobre a mesa já não as uso para anotações de aula, para frases decoradas, profanadas por quem se coloca a frente, no degrau mais alto da sala, declamadas com as mesmas vírgulas a cada novo semestre... As folhas brancas, eu as deixo em casa, não levo para receberem em suas linhas, datas de provas, nomes importantes, artigos, explicações que não se aplicam. As folhas em branco, eu não as desperdiço com o que não é importante mais.
As folhas brancas sob a mesa agora recebem em caneta dourada a minha própria fala.
Em baixo de um livro de mil páginas estão as folhas brancas esperando a descrição dos meus personagens, esperando a descrição dos lugares, esperando as histórias que existem, que se movem em mim...
As folhas em branco estão sobre a mesa, à baixo de um livro pesado de capa dura. Uma grandiosa obra da literatura...
As folhas brancas com linhas azuladas claras esperam sobre a mesa, à baixo do livro pesado. Esperam até o momento de eu puxar e ter em meio aos dedos uma folha solta. Esperam até eu empunhar a caneta de tinta dourada. E esperam até me debruçar sobre ela, até fazer chegar a mão e depois à folha branca todo o universo, todo o realismo fantástico que existe, que se move e que se cria em mim...

segunda-feira, 8 de junho de 2015

O sábado e a música na rua...


Vesti um jeans surrado, fechei a porta e sai... Naquele sábado o que planejei durante dias eu fiz...
Era sábado, o sol radiava, era quente e as ruas estavam tomadas por gente andando de lá para cá...
Era sábado, atravessamos duas cidades, rimos pelo caminho, sentamos no muro.
E sentados observamos mais gente indo e vindo e crianças rindo e bebês dormindo. E sentados no muro, olhei para trás a casa fechada, vazia na fachada, talvez abandonada. E olhamos à nossa frente e, como se não houvesse mais nada para observar, notamos o que toda aquela gente estava vestindo. E quantas calças bordô nós vimos!
Sentados no muro rente a rua de trepadeiras e folhas que amarelavam sob nossas cabeças e caiam a gente toda de aglomerava.
Depois de notar tanto ao redor, a música começou. Levantamos, eu e ele, fomos para o outro lado, acabamos no meio de toda aquela gente que cantava junto comigo. Mas havia outro tanto daquela gente que não cantava, mas sorriam enquanto tiram fotos sem fim. Só pararam quando a música também parou...
No meio da multidão eu não pensei no ombro doendo com o peso da bolsa, nem me dei ao trabalho de pensar na possibilidade de pânico. Ali, no meio de tanta gente eu cantei todas as músicas que sabia, tentei cantar auto até conseguir ouvir minha própria voz. E as que eu não sabia eu me fiz escutar, enquanto me balançava de um lado para o outro no ritmo de cada nova canção.
Em cada canção, em cada som feito entre violão, piano ou batuque eu recordava um pouco da vida, eu sentia um pouco de fé, de esperança falada com rima feita de música para os meus ouvidos...
Eu cantei, não me preocupei com fotos. Eu cantei e quase levantei as mãos...
Naquela tarde de sábado ensolarado, quando eu estava no meio de tanta gente que cantava a mesma letra que eu, eu notei a trepidação em mim em pensar o que é viver o que se é, em ter a arte como profissão seja ela qual for.
Agora, depois de um sábado ensolarado, eu escrevo e escrevendo percebo o que é viver a sua arte, eu percebo o que é viver sendo e fazendo o que se é...

domingo, 7 de junho de 2015

Sobre começos, recomeços, dores e necessidade de ar...


Há um ano atrás, eu lembro bem como tudo começou... Na última semana reconheci as já conhecidas sensações...
Redescobrir uma vez mais, um ano depois, que continuo sem o direito adquirido de ser feliz, de ter momentos bons sem estar alerta, sem ter de esperar o que pode acontecer nos próximos minutos...
Afinal, mesmo depois de dias de ânimo e riso solto eu volto a abrir a janela, desesperadamente, inspirando fundo o ar para encher os pulmões...
Ah, e eu que dias atrás estive no meio da multidão escutando música ao vivo... Eu que estive na rua dando passos à frente sem medo... Eu que na noite de ontem, aguentei firme, sentada na cadeira da mesa do canto do restaurante de paredes vermelhas no centro da cidade sem deixar que o desespero me levasse para fora... Eu, que ontem respirei fundo e silenciosamente tirei os sapatos quando os gritos de reclamação começaram daqueles que queriam dormir com o sol, logo no início da noite...
Estou chorando, mas minha face está seca, meus cílios estão secos e em meu rosto não há sinal de qualquer mancha vermelha causada por lágrimas em excesso... Mesmo assim estou chorando, dentro de mim algo se rasga, se despedaça, dentro de mim algo quer se mover desesperadamente para qualquer lugar longe daqui, para que tudo isso acabe, para que todas essas sensações acabem, para que o coração se desaperte, mas qualquer lugar é incerto, é dúvida, é risco, gera medo, desespero e dor...
Estou escrevendo para poder me aliviar das dores que moram em mim... Estou chorando por dentro enquanto escrevo para alimentar a vida dentro de mim... Pra poder respirar... Estou chorando mas estou tentando seguir, deixando todos esses pedaços, todas as células mortas para trás... Estou chorando para poder seguir e enquanto sigo estou pisando sob a poeira cósmica que não pertence mais a mim, à vida que aos poucos se refaz em mim...

sexta-feira, 5 de junho de 2015

As bicicletas nos meus olhos

Numa manhã antes do feriado fui acordada antes do sol, alguém estava na porta chamando pelo meu nome... Pulei da cama, coloquei um casaco desgrenhado e cheio de pelos por cima de seus ombros, cocei os olhos enquanto saia do quarto...
Senti tristeza ao me despedir dos que iam, dos que me faziam ir sempre em frente... Mas, voltei a dormir quando o sol já havia se levantado e agora estava batendo na janela entreaberta e úmida.
Quando fechei os olhos, sem que estivesse dormindo comecei a ver bicicletas, muitas delas. Andando, andando, iam em direção ao que eu não sei o que era, mas tinham rumo. Aquelas bicicletas como as do Tour de France tinham rumo, iam para alguma direção que eu desconhecia.
As bicicletas que eu via pela (in)finitude da minha pálpebra eram em cores quentes como as Bicicletas de Belleville. Ninguém montado em uma daquelas tantas bicicletas olhou para trás, por isso desconheço rostos, vi as bicicletas que iam, apenas...
Continuei de olhos fechados, sem pressa para pegar no sono e logo ter que levantar pela segunda vez naquele dia...
Eu permaneci de olhos fechados observando aquelas bicicletas que corriam diante de mim. Dentro dos meus olhos aquelas bicicletas coloridas, em fundo escuro iam, de costas para mim.  E eu as via tomando rumo, todas elas, todas juntas... Rumo a algum lugar, para alguma direção todas aquelas bicicletas iam, mas no fundo de minhas pálpebras eu não via nada além das bicicletas em movimento... Talvez estivessem buscando a linha de chegada, talvez estivessem todas, admirando as ervas que cresciam pela caminho enquanto iam...

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Os gatos das sacadas

Daqui da onde estou sentada eu observo através de uma grande janela. Diante da janela de vidros limpos vejo o universo que se expande entre o quadrado da janela. Aqui não estou diante de árvores podadas pela metade, não estou ouvindo o barulho ao longe que vem da rua.
Aqui o que vejo é algum reflexo da vida em movimento. Aqui, sentada, observo os gatos perdurados nas sacadas, estão eles esperando a chegada do sol, estão eles respirando o ar gelado do anoitecer enquanto seus donos não chegam.
Aqui sentada observo quem vai, aguardo quem está para chegar...
Daqui da janela, olha para a rua, carros estacionando, carros arrancando.
E eu volto a olhar para os gatos pendurados, comendo no parapeito da sacada, pegando sol, estão os gatos também observando o movido da rua, enquanto se acomodando e se escoram na tela de proteção...
Eu não havia percebido quantos gatos vizinhos existiam por aqui. E eles estão pendurados, estão ronronando, estão no parapeito da sacada pegando sol e dormindo... E eles dormem e se aquecem no sol sem que importar com os cães que latem...

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Resenha - Presente do Mar




Considerado um pequeno clássico, o livro Presente do Mar foi escrito pela estadunidense Anne Morrow Lindbergh, publicado pela primeira vez em 1955.
Nesse livro biográfico e escrito em tons reflexivos, a Escritora ao se afastar do universo de sua casa, dos filhos, do marido e das obrigações que a cercam na cidade de Connecticut, parte para uma ilha, sozinha, onde fica durante um tempo de férias. É lá, na simplicidade de viver com poucas coisas que ela se volta para o seu interior para pensar sobre o seu mundo e como vive neste mundo.
Assim, temas como o papel da mulher, a solidão, a necessidade de voltar-se para si, as obrigações, a auto-realização, o casamento e o amor são conceitos que tomam outras dimensões através da escrita de Anne.
Mas, na dimensão da vida que, por hora, ela vive naquela ilha distante, o tempo é seu aliado para observar cada coisa ao seu redor. É ali que ela observa as conchas, cada uma em sua singularidade, assim como cada fase da vida. Por esse motivo, cada capítulo do livro recebe o nome de uma concha e em cada capitulo há uma profunda reflexão, uma comparação com cada tipo de concha, umas mais raras, outras mais comuns, mas cada uma bela a sua maneira. De alguma forma, em algum momento, o que se percebe é que o que a escritora refletia em suas férias, em meados de 1955, é ainda o que muito se procura entender nos dias atuais. Existe nela muitas das perguntas e dúvidas que existem em nós, hoje.
Importante notar que a obra é profunda no papel que a mulher foi assumida ao longo do tempo, e que, da mesma forma, como ao longo do tempo foi perdendo espaço para olhar para si, e exercer papeis criativos diante de tanto afazeres exigidos a ela.

Vinte anos depois de Anne escrever o presente do mar, ela abre uma vez mais a obra e escreve, mais um capítulo. Vinte anos depois ela lança seus reflexos sobre Presente do Mar, e refaz suas reflexões sobre anos turbulentos, sobre o que acreditou ser a libertação da mulheres, sobre o contexto político e sobre as mudanças no contexto familiar, como a morte do marido.


Enfim, em pouco mais de 120 páginas, Presente do Mar é, de fato, um presente, capaz de nos fazer refletir sobre a vida, sobre o papel que assumimos e sobre nossa, ainda, incapacidade, de reservar um tempo para olhar-nos para nós mesmos, de compreender que muitas vezes a solidão é bem-vinda, de que existe necessidade de olhar para dentro antes que abarrotarmos de coisas desnecessários o que existe fora de nós.

domingo, 24 de maio de 2015

Sobre a violência de sábado


No descuido do pensamento, no momento em que me distraio do jogo, eu me traio e remonto os atos.
Na saída lateral do shopping, num fim de tarde já escuro, com as luzes amarelas dos pontes da rua já acesas, o que julgo ser um garoto correndo desesperado, destrambelhado, sem saber, ao certo, para onde corria, fugindo de alguém como numa brincadeira, era apenas o que parecia.
 Tentando superar a capacidade de suas pernas, ele acabou entrando numa ruela de mão única, ali, tão próximo de um colégio caro, de religiosos. Mas o jovem de roupas largas não ia sozinho. Ao quebrar na esquina da rua de mão única um carro teve tempo de dar sinal e quebrar, ele também, a esquina.
Nessa altura dos acontecimentos eu ainda não sabia o que estava acontecendo, apenas pensei que era alguém despreocupado, indo para casa, que talvez, nem ao menos tivesse notado um possível meliante, como se costuma, por aí, dizer.
Mas o que doeu nos meus olhos, foi que quando alcancei aquela esquina, dentro do caro de vidros claros e não blindado o que vi foi mais uma daquelas cenas que só penso me deparar em filmes, documentários. É uma entre aquelas cenas que não imagino ver tão limpa diante dos meus olhos.
O garoto que antes corria, estava, agora, atirado no meio fio, com as mãos na cabeça, desesperado, enquanto que alguém lhe apontava uma arma e lhe dava ordens.
Pedi para que corresse, para que fizesse o carro andar mais rápido, mas não havia como, o carro da frente havia diminuído a velocidade, estava ele assistindo de camarote, a vida como ela é, o show de horrores que buscamos todos os dias em manchetes e capas de revista, sem nos darmos conta de que vivemos esse mundo em sua totalidade, dia após dia. Mas nós preferimos nos enganar, preferimos acreditar que a violência está longe, no outro bairro, na outra esquina. E talvez, depois de assistir o ato e de voltar a acelerar o carro, a cena seria esquecida e ele voltaria a proteção do seu carro caro e de vidro escuros, deixando de lado, o que acabava de assistir.
Minutos depois, parada na sinaleira, eu estava em choque, tremendo, incapaz de falar. “Que grande fraqueza”, você pode pensar! “Que grande fraqueza!”, posso eu pensar.
“Que mundo é esse?” É o que eu venho a pensar... Ainda sem conseguir me mexer no banco do carro...
Entre a insônia e o sono interrompido eu procurei em todos os jornais, sobre informações sobre aquele episódio, nada encontrei.
Mas agora, quando minha mente se perde, quando eu descuido o pensamento, eu vejo com nitidez um garoto jogado no chão, com uma arma, apontando para os meus miolos.
Eu tento calcular mentalmente quanto vale a vida. E eu tento refazer os cálculos, e eu vejo dois homens, um jogado no chão, o outro no alto, com uma arma na mão. E enquanto procuro moedas na carteira para o pedinte pendurado na janela eu pergunto incessantemente, tendo diante dos meus olhos a vida como ela é, “quanto vale a vida?”, “onde está agora o garoto que ontem estava jogado na rua de mão única?”.
O que quero concluir é que quero correr, o mais rápido possível para longe de tudo, para longe de tudo que não escapa aos olhos, para tudo que faz doer por dentro, sem que eu possa mudar. Quero correr daqui, quero andar e ter paz, não quero ver o que não pode deixar de ser visto... Eu não quero ver, mas eu não posso fechar os olhos. Eu quero acreditar que possa existir outra forma de ver a vida como ela é...